Ai meu rico santinho tanto que eu te rezo e tu não atendes aos pedidos desta Beata que anda toda baralhada com o tempo que se faz sentir cá por baixo.
Que ricos dias de Maio que eu passava no campo em piqueniques e passeios, de mangas arregaçadas e saias alevantadas que não se aguentava o calor que fazia naqueles tempos.
Não sei que raio se está a passar contigo aí em cima e bem suspeito que andes muito zangado com o povo porque só nos mandas chuvas e terramotos, furacões e ciclones como nunca se viu em tempo algum que até parece que andas a avisar que um dia deste mandas outro dilúvio, como o da Arca do Noé e depois é que se vai ver toda a gente a correr para apanhar a madeira, tal e qual como agora fazem para apanhar a gasolina mais barata, mal comparado claro está.
E por falar em gasolina ainda bem que o meu Zé nunca aderiu a essas modernices e ficou-se sempre pela carroça que o meu burro Jeremias, coitadito, ainda vai tendo forças para puxar, porque pelo menos a palha não aumenta 2 e 3 vezes por semana, como esta vergonha que eu vejo nas notícias que até há gente que vai a Espanha comprá-la mais barata e fazem eles muito bem que aproveitam e alargam as vistas pelo estrangeiro.
Já não sei que orações nos vão valer mas a vossa Beata tem muita fé e podem crer meus santinhos que eu acredito que isto ainda vai melhorar e que nosso Senhor nos vai poupar.
Bem, por hoje é tudo que tenho que ir à minha vida.
Beijinhos * a todos e obrigada pelas vossas cartinhas.
* repenicados
Ai ricos filhos que saudadinhas que eu tenho de vossemecês mas desde a passagem do ano que o meu Zé me obrigou a prometer de joelhos e de mãos postas que nunca mais viria à Internete e como bem deveis saber eu cá não sou mulher de faltar ao prometido e assim fiz mas de coração partido porque as vossas cartas e o vosso convívio é como o pão para a boca.
Sabem o que ele me aprontou para eu me distrair? A Mariazinha, neta da minha comadre que está nas Franças, para eu tomar conta enquanto a mãe vai à labuta numa Fábrica de Confecções que está quase a fechar as portas mas que por enquanto lá se vai aguentando para pagar os ordenados.
Claro que eu gosto da catraia, apesar de ela não me largar, nem quando faço a janta para o meu Zé, mas verdade seja dita eu já não tenho estrutura nem idade para servir de ama-seca e por isso ando aflita dos meus ossos e há dias que nem sei onde ponho os pés com tanta dor a apoquentar-me.
Mas, perguntarão vossemecês, porque veio a Beata hoje dar sinal de vida?
- A razão é simples: O meu Zé libertou-me da promessa porque me viu a definhar de dia para dia com tanta tristeza no coração e apesar das implicações que ele tem comigo, eu não duvido que ele me tem muita estima.
Por isso meus riquinhos, a vossa Beata vai voltar sempre que o raio da gaiata me der tréguas e descanso e entre o lavar da roupa e o fazer da comida e as minhas obrigações na Igreja hei-de arranjar tempo para vos escrever a todos, que as saudades são muitas.
Agradeço do fundo do meu coração, que é grande, todas as cartas que só agora me chegaram às mãos, porque até isso o danado do meu Zé arranjou forma de as esconder.
Se eu fosse rapariga ainda casadoira e independente, podem crer que me divorciava dele e depois é que as costas folgavam.
Beijinhos repenicados para todos ( ai que saudades que eu tinha de escrever isto) e até qualquer dia se Deus quiser.
Desta que se assina Beata da Aldeia
PS - Rezei sempre por vossemecês e estimo muito que tenham sido felizes na minha ausência que bem mereceis.
Ricos filhos
Hoje acordei num grande alvoroço porque vai haver festa na aldeia com fogo de artifício e tudo a expensas do nosso Presidente da Câmara que nestas alturas a gente quer é diversão que o resto logo se vê quando entrar o ano novo porque o povo precisa de esquecer as agruras desta vida nem que seja uma vez por ano.
Estou mesmo endiabrada e comecei a treinar logo pela fresquinha e a piscar o olho p'ro meu Zé que acordou sobressaltado com a música em altos berros porque depois do fogo segue-se o bailarico e eu sou danada para dar um pezinho de dança mas desta vez não quero cá encostos por causa das pisadelas que ele me dá.
Adivinhem meus santinhos quem vem alegrar a festa?
- O meu querido Cara Laróca que vem tocar e cantar p'ra gentes da minha aldeia.
Como deveis calcular estou que nem me aguento de tanta satisfação que o meu coração quase me salta da boca para fora e caso queiram vir não se façam rogad0s que a entrada é de graça.
Quero que saibam da minha estima por todos e da alegria que me dão por continuarem a ser meus amigos e vou pedir aos Santinhos que o Novo Ano vos traga tudo o que há de bom.
Muitos beijinhos repenicados
Desta vossa Beata da Aldeia que vos adora
Até p'ro Anoooooooooooooooooooo
Então meus santinhos? O vosso Natal decorreu com muita paz e saúdinha?
Quero que saibam que entreguei as vossas cartinhas todas ao carteiro do Pai Natal e caso ele não tenha atendido os vossos pedidos, podem fazer as vossas reclamações aqui porque ele enviou-me o Livro de Reclamações que agora é obrigatório para tudo.
Aqui a vossa Beata abusou tanto da comida que até teve de chamar de urgência o Sr. Dr. Médico cá da aldeia para fazer melhor a digestão que a idade não permite excessos mas também é uma vez por ano e perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe.
Aliás, nem sei como vai ser a partir de hoje porque os tais senhores que nos (des) governam resolveram fechar o posto de saúde onde a gente vai quando a saúde nos falta e logo agora que a saúde cada vez nos falta mais tal como o dinheiro que cada vez é menos mas pelo contrário o que não faltam é bancos a abrir em cada esquina.
Alguém entende este (des) governo?
Eu não entendo e pelo que tenho ouvido o povo também não mas mesmo assim reclama porque pelo menos descarrega o fígado e por enquanto ainda ninguém vai preso por se manifestar e por isso temos que aproveitar não vão eles mudar de ideias e começar a encher as prisões como faziam antigamente.
Mudando de assunto eu hoje fui visitar algumas aldeias e chamou-me a atenção uma carta que a menina Mariazinha escreveu e que eu não percebi nada, porque estava escrita em estrangeiro.
Como sou muito curiosa pedi ao Sr. Mestre-Escola que me explicasse que letras eram aquelas e então fiquei a perceber que era uma espécie de teste para se ficar a saber quantos cursos tinham as pessoas que escrevem na internet .
Ora, como muito bem sabeis, aqui a vossa Beata, é de poucas letras e muitas falas e vejam que me saíu na rifa : - " Genius "
Fiquei de boca aberta e aqui vos digo que não gosto nadinha porque um dia me entrou uma mosca e fiquei numa aflição que até hoje sonho com isso mas perguntei logo ao Sr. Mestre-Escola o que queria dizer aquilo.
- D. Beata, disse ele revirando os olhos, a acreditar neste teste a Senhora é um génio!
- Eu? Respondi, novamente de boca aberta mas a vigiar as moscas
- Sim, a Senhora. Não vê o desenho?
- O que eu vejo é uma mioleira que até costumo comprar ali no Zé do Talho, para fazer com ovos mexidos que o meu Zé gosta muito
- Aquilo é um cérebro e significa que é preciso ser muito instruído para perceber o que a Senhora escreve.
Voltei-lhe as costas e nem lhe agradeci porque cá para mim ele estava a mancar comigo e decidi que nunca mais iria em conversas destas de fazer testes na Internete porque isto é para gozar com a gente.
Até qualquer dia meus riquinhos que já me estou a preparar para o Ano Novo.
A minha benção para todos e o beijnho repenicado do costume
Da vossa Beata da Aldeia
Queridos amiguinhos
Primeiro que tudo venho dizer-vos que as vossas cartas já foram todas entregues ao Pai Natal e sei que ele já está a tomar nota de todos os pedidos que me encarregaram de fazer.
Estejam descansadinhos que eu confio muito nele e na noite de Natal pela certa vão ter o sapatinho cheio de presentes se bem que há algumas coisas que os meninos pediram que pela certa vão ser difíceis que ele consiga dar, porque desde que o mundo é mundo sempre existiram e não há meio de acabar com elas como sabeis.
Quero que saibam que vos estimo muito a todos e que vos desejo um Santo Natal com muita saúde e paz e nunca se esqueçam que a vossa Beata pede por todos nas suas orações.
Quero também agradecer o vosso carinho p 'ra comigo porque mesmo eu não podendo responder às vossas cartinhas como fazia dantes, parte- se-me o coração sempre que aqui venho e leio o que me escrevem.
Um grande beijinho repenicado e muitas felicidades que eu cá fico com o meu Zé, a minha porca Miquelina e o meu burro Jeremias a celebrar o Natal porque infelizmente é a família que me resta.
Da vossa Beata da Aldeia
(Não abusem dos doces, está bem?)
Ainda me encontro muito afanada mas graças a Deus hoje senti que as forças já me estavam a querer voltar que também não era sem tempo porque faço cá muita falta para alegrar as gentes já p'ra não falar do meu Zé, coitadinho que não sabe já o que fazer comigo.
O Sr. Dr. Médico proibiu-me de vir escrever aqui na internet porque andam desconfiados que eu apanhei uma pontada de ar nas costas naquela noite em que estive aqui a escrever-vos com a janela aberta e esta aragem da noite é muito traiçoeira como sabem e o resultado está bem de se ver, mas eu tenho na ideia escapar-me de vez quando porque tenho muitas saudades vossa e cá para mim aquilo foi invenção do meu homem que como sabeis não se conforma com estas modernices.
Mas deixemo-nos de choradeiras que para isso basta a vida que cada vez está mais ruim de se viver e ainda por cima nesta altura do Natal em que sempre se compra qualquer coisinha a mais do que é costume comprar-se e as reformas são uma miséria como sabeis.
Meus queridos filhos a vossa Beata está a preparar-se para o Natal e o trabalho na paróquia que está aí para vir, nem vos conto mas eu cá gosto muito de enfeitar as casas e a Igreja e fazer a àrvore de Natal com aquelas bolas todas às cores e as luzes a acender e a apagar que é um regalo de se ver.
Gostava muito de receber as vossas cartas para o Pai Natal, por isso se confiarem nesta simples Beata da Aldeia, podeis escrever o que mais queriam de presente que eu agarro nelas todas e podem ter a certeza que as vou entregar em mão que já fiz um acordo com o carteiro dele.
Fico à espera, está bem?
Desta que se assina
Beata da aldeia
Tenho andado muito adoentada e só hoje me levantei um bocadinho, porque já não aguentava as dores nas costas já para não falar das saudades que eu tenho de todos.
Isto do tempo estar todo trocado, troca-me as voltas cá de uma maneira que vossemecês nem calculam.
Quando devia chover, faz sol, e é um calor que ninguém aguenta e à conta disso apanhei uma virose ou lá como é que isto se chama, mas foi assim que o Sr. Dr. Médico lhe chamou e eu acredito porque ele é pessoa de muita sabedoria.
Depois, de repente, acorda-se com um dilúvio, que mais parece aquele do tempo do Noé, só que aqui ninguém teve tempo de construir arca nenhuma para se abrigar e a água entrou a jorros pela casa das pessoas.
Já para não falar dos incêndios que este ano também vieram fora do tempo, e até me deu vontade de rir, porque os senhores daquele desgoverno que nos governam, deitaram os foguetes antes do tempo, quando todos contentinhos, vieram dizer que neste Verão, tinha sido um regalo de se ver, porque finalmente a floresta ardida era quase zero.
- Zero, são eles, onde é que já se viu, com um Verão daqueles cheio de chuva, queriam que houvesse fogos onde?
Ora eu, apesar de ser mulher da aldeia, gosto de andar bem informada com as coisas do mundo, e o meu Zé compra sempre o jornal porque eu lhe mando, e enquanto estou a passar a ferro, ele vai-me dando conta das noticias.
Por isso meus anjinhos, não se esqueçam que amanhã é o dia da floresta e bem que estamos precisando de muitas árvores para ajudar o planeta a respirar melhor.
A vossa Beata, apesar de ainda estar às voltas com esta tal de virose, amanhã vai ajudar a plantar árvores aqui. Pode ser que encontre algum de vós, e não se esqueçam de me falar se me virem está bem?
Agora tenho que ir, porque já me está a chegar de novo a maldita da febre.
Até qualquer dia e ajudem a cuidar do planeta.
Beijinhos repenicados
Da vossa Beata da Aldeia
A propósito do novo aeroporto que ainda ninguém sabe onde vai ficar, andámos todos conversando aqui na aldeia, que era bem pensado dar uma ajudinha ao menino Sócrates, para ele sair dessa aflição de uma vez por todas e deixar de estar tão nervoso, porque isto das depressões nesta altura do ano apanham toda a gente.
Esta vossa Beata que pensou sempre muito à frente, teve uma ideia que todos aplaudiram:
- Então, disse eu, os campos estão todos por cultivar que até mete dó, porque já ninguém tem força para cavar a terra e a juventude abalou toda, pois não quer saber de sementeiras nem vindimas.
- Hum, ia dizendo o meu Zé
- Se eles, lá no desgoverno, estão assim tão precisados, o povo podia fazer uma daquelas vendas fantásticas, como aqui é uso dizer-se, sem impostos bem entendido que a gente não quer prejudicar ninguém, e estas eiras todas juntas bem arranjadinhas até davam um bom aeroporto e nem era preciso cortar as árvores nem espantar os pássaros, porque isto aqui já é quase um deserto.
Escusado será contar, que começou toda a gente a pensar na diversão que iria ser, todos a verem os aviões a subir e a descer, já para não falar na grande evolução aqui p'ra aldeia, com cafés e restaurantes a abrir por todo o lado, hotéis para acomodar os coitados dos passageiros quando se dessem aqueles atrasos que se vêem na televisão e ainda as estradas que seriam construídas para ser mais rápido cá chegar.
Ficou tudo tão entusiasmado que decidimos por bem fazer uma votação nuns papelinhos que o meu Zé aprontou logo, porque isto é uma democracia, não sei se estão lembrados, e decidiu-se por escrever uma carta ao Sr. Lino, a oferecer os nossos préstimos.
Espero bem que ele "dê uma vista de olhos" quando tiver um "bocadinho de tempo", porque está tudo ansioso por ver aqui o aeroporto.
Até ando a rezar para que Nosso Senhor me dê mais uns aninhos de vida, porque pelo andar da carroça, quando o aeroporto estiver pronto, eu já não estarei cá para me gozar dele.
Até qualquer dia meus santinhos e o beijo repenicado do costume.
A vossa Beata da Aldeia
Aproveitem o S. Martinho meus santinhos, mas não abusem, que aqui a vossa Beata mais o seu Zé, já está a preparar as castanhitas e a água pé, para vos receber a todos aqui na aldeia.
"Tenho camisa e casaco
Sem remendo nem buraco
Estoiro como um foguete
Se alguém no lume me mete"
Até a minha porca Miquelina, que sabe muito bem que não é desta que vai para o fumeiro, vai tomar um banho, para se sentar ao lume com a gente, oram vejam ela aqui tão contentinha
Cuidado com as ressacas e cá vos espero se o S. Martinho deixar.
Da vossa Beata da Aldeia
Uma Santa tarde a todos os meus meninos e meninas
Aqui estou de novo, a muito custo, verdade seja dita, porque já não tenho idade nem saúde para noitadas como a que fiz no sábado passado.
Fiquei toda derreada das minhas costelas porque o vestido estava muito apertado, e então dos pés nem vos conto que ainda hoje tenho cada bolha que só vendo é que se acredita, como diz o nosso Santinho S. Tomé.
O meu Zé então, ainda está de cama com uma dor que se lhe aprontou nas cruzes, que até parte o coração só de olhar p'ra ele, coitadinho.
Mas meus santinhos assim que vi as notícias daquele Sr. Padre da aldeia dos galegos que casou por caridade com a governanta dos Brasis, disse p'ra mim mesma que tinha que lhe vir dar o meu apoio, porque lá diz o ditado que "a boa caridade começa em casa" e ele levou-o à letra, pois então.
Então vejam, uma pessoa afeiçoa-se a quem vive debaixo do mesmo tecto, a quem nos trata bem, nos lava a roupinha e prepara a comidinha a horas, o resto não sei nem quero saber porque dentro de portas ninguém vê e já assim era desde que me conheço e falatórios e má lingua sempre existiram, e de repente querem mandar a moçoila p'ra terra dela?
Isso não se faz e ainda p'ra mais com a idade dele que agora coitadinho ainda precisa de cuidados a dobrar.
Ora fez muito bem aquele Sr. Padre que até parece ser boa pessoa e muito bem disposta, se prestarmos atenção à sua cara no filme que passaram dele.
Pelo menos não fez como muitos que há para aí, que até filhos se lhe conhecem, como aquele Padre Amaro que até teve direito a livro e tudo, mas fico-me por aqui porque sou Beata mas tenho cá as minhas ideias e fico muito revoltada quando penso nos pobres dos Senhores Padres, por aí sem poderem casar, como muitos gostariam.
O Senhor Cura cá da minha aldeia, não sei não, mas que há falatórios da criada dele, a Sra. da Purificação, lá isso há, mas as pessoas fecham os olhos, pelo bem que ele pratica e quem não pecar que atire a primeira pedra como disse Nosso Senhor.
E agora meus riquinhos tenho que ir, que o meu homem já me está a chamar para lhe levar a janta.
Até qualquer dia se Deus quiser.
Beijinhos repenicados
Desta que se assina Beata da Aldeia
Boa noite meus lindinhos
Estou a rebentar de tanta satisfação que nem sei por onde começar. O melhor é mesmo começar do principio, que foi como aprendi na escola primária, se a memória não me falha.
Já estou de bem com o meu Zé e para lhe fazer um agrado, até voltei a ser como era, que como vossemecês se hão-de lembrar, a vossa beata era morena, já com brancos no cabelo, porque a idade não perdoa. P'ra vos dizer a verdade, eu própria, já não podia olhar para mim, com aquele cabelo amarelo, pois que cada um é para o que nasce, e eu nasci para ser bem portuguesa, só não tenho bigode, porque a menina do salão, deu-me uma coisa para o tirar, que por acaso até dói que se farta.
- Ninguém me tira cá da ideia, que aqueles pesadelos todos que me assaltaram, foi um aviso de Nosso Senhor, para eu me deixar de modernices.
Mas adiantando-me, vos digo já que amanhã vai haver uma noite dançante na Casa do Povo, que por acaso até tem ajudado muito a gente da aldeia a divertir-se e a cultivar-se, que é como quem diz - não fora o caso e morria-se aqui de pasmo, porque o que há para ver já se viu há muito tempo.
Vem cá um cantor de fora, daqueles que vende muitos discos e anda muito pelos estrangeiros
e nem imaginam o alarido e correrias
em que eu andei a mais as minhas vizinhas,
que não há mãos a medir para arranjar tantas cabeças e fazer tantos vestidos.
Arregalem os olhos meus santinhos que vos mostro já como a vossa beata se vai apresentar, porque não quero fazer más figuras.
Ora digam de vossa justiça, se não vou linda?
Beijinhos repenicados e até qualquer dia se Deus quiser
Da vossa Beata da aldeia
( esqueci-me de vos dizer que o Sr. Padre Cura já deu a sua bênção e vai-nos agraciar com a sua presença por uma questão de respeito)
Ai meus ricos santinhos que grande desgraceira que aqui vai na aldeia da vossa Beata que até parece que os demónios se juntaram todos aqui p'ro dia das bruxas.
Nem tenho tido cabeça para responder às vossas cartinhas, já para não falar do meu computador que ainda está p'ra consertar e que me priva deste convívio com vossemecês que em boa hora me apareceram na minha vida, valha-os Deus Nosso Senhor.
Foi assombração pela certa e até menina de Azul e Verde o adivinhou que até parece a menina Carmenzita a ler as mãos.
Primeiro foi a zanga com o meu Zé que aproveito para vos dizer que está mais manso, porque a gente quanto mais se baixa mais se vê o dito e eu como não curvei as costas, salvo seja, teve ele que baixar a crista, porque aqui em casa não cantam galos porque também não há galinhas, que é como quem diz.
Depois e isto sim é obra do diabo, foi o escândalo que o Zé Palerma que é o sacristão cá da aldeia, deu esta semana na missa das sete da tarde, ao apanhar a Ti Angelina com a boca na botija, mais própriamente a roubar as esmolas quase da mão dele.
A pecadora, como é que eu vos hei-de contar isto, dava 20 cêntimos de esmola, mas escondia a moeda das vistas do Zé Palerma e tirava uma de 1 euro dizendo que era o troco. Ora o sacristão que é palerma só de nome e que já andava desconfiado porque as contas não lhe batiam certo vai p'ra mais de dois meses, estava à cautela e desta vez apanhou-a em flagrante delito, que salvo erro é como se diz e caso não seja o menino M Abreu cá virá emendar-me.
Como eu ia dizendo, o nosso Zé Palerma com a aflição, gritou com aquele vozeirão que Deus lhe deu:
- Alto e pára a missa que o troco está errado!
Nem imaginam a confusão que se instalou, com os fiéis a acusarem a safada da Ti Angelina e aos berros dentro da Igreja que mais parecia a feira que cá fazem aos domingos. Acreditem meus santinhos, nunca cá se viu uma coisa destas e até a missa não chegou ao fim, porque já mais ninguém tinha cabeça p'ra nada, tal era a raiva que se apossou de todos nós, que até parecia que tinham soltado o diabo.
Tenho andado muito alvoraçada com estas coisas todas e até me subiu a pressão, mas estão todos no meu pensamento e mesmo que eu vos escreva pouco, rezo muito por todos e não há dia nenhum em que não me lembre dos meus riquinhos filhos
Até qualquer dia se Deus quiser.
Beijinhos repenicados
Da vossa Beata da Aldeia
Estimados filhos
Como deveis imaginar toda a gente cá na aldeia está ao corrente da zanga com o meu Zé pois foi p´ra aqui o fim do mundo, só faltou chamar a guarda, o que nos valeu foi o santinho do sacristão que também não faz mais do que a sua obrigação que é ajudar o Sr. Cura a velar pelas almas, mas isso já eu vos contei da última vez que vos dei conta da minha vidinha e p'ra não me desviar da minha ideia, adiante que se faz tarde.
Ora, todos se acercam de mim, a consolar-me pelo sucedido e com palmadinhas nas costas lá me vão dizendo que aquilo foi o demónio que passou pelos olhos do meu homem ou até há quem tenha cismado que foi o vinho a falar em vez dele, mas eu ainda estou muito ofendida e enquanto me lembrar não lhe olho p'ra cara nem lhe dirijo a palavra, porque quem não se sente não é filho de boa gente e cá os meus paizinhos eram de grande respeito e tidos em muito boa conta.
Isto tudo para vos dizer, que o que me tem valido são os vossos cuidados comigo de tal forma que até mostrei ao Sr. Cura algumas das coisas que me têm escrito p´ra ele ficar a saber que comungar da vossa alegria tem sido uma bênção para mim.
Ai, meninos e não é que ele gostou tanto que até me incumbiu de vos fazer uns pedidos?
Então aqui vai:
Ao menino Abreu (que não tem aldeia) pede que, no intervalo dos processos do tribunal e já se viu que é oficial de justiça, o ajude a escrever uns sermões, porque jeito não lhe falta apesar de se ter desviado do caminho do Senhor à conta da tal ajudante de cozinheira era ele ainda moço.
À menina de Azul que agora também tem uma metade verde, manda dizer que gostava muito que ela escrevesse sobre a história da paróquia e que tem uma casa às ordens se ela não tiver onde ficar e que não se esqueça de trazer as suas bolachinhas caseiras.
À menina das Margaridas, pede muito que ajude a beata no arranjo das flores mas recomenda que ela venha com um vestido decente, não vá o diabo tecê-las e que não traga os tais comprimidos não vá dar cabo da vida descansadinha da aldeia.
Ao menino da Cara Laroca, que anda sempre numa correria de aldeia em aldeia, pede que traga a máquina das fotografias e que venha cá ensinar o Manel da Gaita a tocar concertina, p'ra ver se ele aprende de vez as notas sem desafinar.
Ao menino Lince, pede que vista a pele de cordeiro e que recolha as garras e traga uma garrafa de vinho p'ras tertúlias ou lá como ele lhes chama.
Ao menino Mariola de Vasconcelos caso ele disponha de tempo, pede que venha cá ensinar ao povo as suas artes e que traga o livro da tal senhora Florbela, que o mestre-escola coitadinho já lhe perdeu o jeito.
À menina Cristalina, manda dizer que gostava muito de a conhecer e que traga o livro dos milagres, aquele de capa azul e branca, para que se registe um dos últimos milagres de Fátima.
Ainda há mais pedidos do Sr. Padre Cura, mas fica para uma próxima que agora não disponho de mais tempo pois tenho que ir à vida e estou aqui ainda por caridade da minha vizinha, em casa alheia, que é como quem diz, em casa dela.
Até outro dia se Deus quiser.
Beijinhos repenicados
Desta que se assina
Beata da Aldeia
Boa noite meus santinhos
A vossa Beata tem muito o que vos contar depois destes dias todos em que não vos escrevi e sabe Deus que falta me fizeram as vossas cartinhas ainda p'ra mais estando eu de candeias às avessas com o meu homem que para vos dizer a verdade já não sei se ele ainda é meu ou se lhe dou um daqueles valentes pontapés e o mando p'ra casa da mãe dele, que por acaso até uma santa apesar de ser sogra.
Então não querem lá ver que o meu Zé que já era teimoso que nem o meu burro Jeremias agora mais parece que foi enxertado em corno de cabra desde que eu mudei para loira e me meti nestas artes porque cismou que a culpa destas mudanças todas é da Internete?
Diz que eu já não sou a mesma, e aí até lhe dou razão, porque eu dantes era morena e agora já não sou, que já não tenho tempo p'ra lhe olhar p'ra cara, e verdade seja dita que também já ando farta da cara dele e o pior de tudo e que me ofendeu cá na minha fé, é que rematou dizendo que ando descurando as minhas obrigações na Igreja.
Ai meninos fiquei vidrada fui-me a ele e não vos conto nem vos digo que quase parti o rolo da massa tanto lhe cheguei ao pêlo, foi preciso o Zé Palerma que é o sacristão e tem-me em muito boa conta, vir apartar-nos p'ra não se dar uma desgraça como aquelas que se vêm todos os dias na televisão daquela menina que cada vez tem a boca mais alargada e que coitadinha teve azar numa operação que fez às bochechas da cara e lá estou eu a desviar-me da conversa.
No dia seguinte armou-se em macho e de vingança e ruindade foi-se ao meu rico computador que ainda ando a pagar todos os meses e rachou-o de alto a baixo.
Deixei de lhe falar e não me venham com esses sermões do perdão, que há coisas que custam a engolir e eu apesar de ser devota e temente a Nosso Senhor, desta vez não sei não qual vai ser o fim disto.
Meninos estou aqui a escrever-vos por caridade da minha vizinha Ti Maria Vacas, que coitadita vacas é o que ela já não tem, porque lhe morreram todas, diz-se para aí que foi por serem loucas, mas eu cá nunca dei por isso mas adiante e então vim aqui à dela, como estava dizendo porque o meu computador está a consertar e nem sei quando mo entregam.
Pronto meus filhos, tenho que me ir embora porque não estou na minha casa e não estou à vontade com os gaiatos da Ti Maria aqui à minha roda.
Não se esqueçam de me escrever porque ando muito precisada e rezem pelo meu Zé, p'ra ver se ele fica mais manso.
Beijinhos repenicados
Da vossa Beata da Aldeia
Ainda estou a caldos de galinha, melhor dizendo a caldos da minha Josefina que coitadinha lá serviu para algum proveito porque ovos já não punha vai para mais de um ano e assim vos digo que me encontro melhorzinha ou não fora o caso nem vos podia estar a escrever.
É verdade filhos do meu coração então não é que levei toda a santa noite a sonhar com as cores do vestido que se me pôs uma dor de barriga como há muito não tinha mais propriamente desde que fiz aquele esforço que me valeu uma quebradura no umbigo porque cismei que havia de dançar a noite inteira nas festas da Nossa Nossa Senhora da Agonia?
Nem vos conto as vezes que já corri para me aliviar e o meu Zé até foi à menina nova da farmácia pedir ajuda porque coitadinho verdade seja dita ele é muito meu amigo e se eu lhe for à frente ele vai logo atrás de mim, porque homem habituado a ter tudo feito é assim mesmo e a nossa afeição é para toda a vida como manda Nosso Senhor e disse o Sr. Cura quando nos casou.
Lá estou eu a divagar meninos mas graças aos santinhos que esta aflição me calhou hoje porque a menina Joana da aldeia dos sapos andou a oferecer à gente aqui da terra uns piaçabas novinhos em folha que são uma beleza e eu cá que sou muito de aproveitar as coisas, dei-lhe logo uma serventia que estou a ver que tenho que pedir ao meu homem para ir buscar mais.
É verdade que esta vossa Beata é uma mulher do campo e pouco dada a letras mas nunca chamei piaçá ao piaçaba como disse aquele menino que tem um grupo que cheira muito mal e até lhe chamam os fedorentos além de dizerem que são bichanos ou gatos ou lá o que é.
Com isto tudo meus anjinhos não tenho tido cabeça para pensar nas cores do malfadado vestido e se não ficarem ofendidos fica para uma próxima que também isto não é nenhuma sangria desatada.
Já me esquecia de vos contar recebi uma carta muito bonita que por sinal ainda não a li toda do nosso Anjinho protector,
São M Abreu
e por sinal já trazia o selo com o retrato dele, ora vejam lá que lindos caracóis e até sabe tocar e tudo, ai rico filho.
Aprendam a dizer piaçaba e até qualquer dia se Deus quiser
Beijinhos repenicados desta que se assina
Beata da Aldeia
PS: Desculpai-me mas hoje não tenho cabeça p'ra responder às vossas cartas que estou outra vez numa aflição à conta destas malditas cólicas