Meus ricos filhos
Antes de mais quero pedir muita desculpa por só agora responder às vossas cartas todas que eram tantas tantas que até o pobre do Ti Manuel que é carteiro cá da aldeia vai p'ra mais de 20 anos ficou de olhos esbugalhados e até teve que pedir ao compadre Ajuda que o nome já diz tudo para lhe carregar a sacola mas o Sr Cura chamou-me lá por causa das flores para o casamento da Ritinha e do Manuel que é já no domingo e por isso só agora aqui vim.
Ai riquinhos que me estragam com mimos e eu não sou merecedora de tanto até porque nem fiz nada de mais para estarem para aí com essas coisas todas mas que estou muito contente lá isso é verdade e cada vez gosto mais de todos.
Mas hão-de vossemecês pensar o que é que isto tudo tem a ver com o meu Zé e com o meu burro Jeremias mas devagar se vai ao longe e aguentem um bocadinho que eu já conto tudo.
Então lá vai.
O meu burro apesar de ser burro é mais esperto que muita gente que diz que pensa e é como se fosse da família só falta dormir cá em casa que isso eu nunca deixei porque é uma grande sujeira e não se aguentava o cheiro mas tem um grande defeito tal qual o meu homem que eu até costumo dizer que ele é teimoso como um burro.
Ora o ano passado viveu cá um mestre-escola que coitadinho até teve sorte porque foi colocado a 350km da aldeia dele mas sempre foi melhor do que ficar sem trabalho e que por via disso mesmo cismou que havia de ensinar à gente estas coisas da Internete para ocupar os fins-de-semana que eram quase todos em que não ia matar saudades à terra dele e então como eu estava dizendo lá fui eu e mais umas vizinhas aprender as artes que é como a gente chama a isto aqui na aldeia.
O meu homem que quase nunca fala, botou palavra e disse que era para eu não ir porque isso não eram coisas de mulher casada e disse mais:
- Mulher minha não vai por aí!
Até me lembrou uma coisa que eu ouvi da boca do tal mestre- escola e que me ficou no ouvido até hoje e que se a memória não me falha foi um tal de Sr. Régio que morava noutra aldeia e que pelos vistos era senhor do seu nariz que dizia mais ou menos o mesmo mal comparado valha-me nossa Senhora.
O que ele me foi dizer meu ricos meninos. Então eu que nunca olhei p'ro lado que sempre lhe arranjei a janta a tempo e a horas trato-lhe da roupa toda que ele anda sempre num brinco e agora estava a querer mandar em mim?
Lembrei-me logo do meu burro que quando a gente o puxa para um lado ele vai para o outro e fiz o mesmo que ele.
Em santa hora me veio essa lembrança porque se não fosse o meu burro eu não estava aqui a escrever aos meus santinhos.
Eu que sou mulher séria e não sou de andar na taberna como eu sei que há p'ra aí muitas já para não falar de outras coisas do demónio que até me fazem arrepios só de pensar nelas, sou devota e até ajudo o Sr Cura, posso não saber muito bem para onde vou mas sei que não vou por onde ele me mandar.
Tenho dito
Beijinhos a todos e até qualquer dia se Deus quiser
Desta que se assina Beata da Aldeia